terça-feira, março 21, 2006

Rânula: relato de caso

AUTORES

Caetano Baptista Neto
Haroldo Arid Soares
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Introdução

Dentre várias doenças que acometem as glândulas salivares, como as neoplásicas, metabólicas, autoimunes, infecciosas, e outras, destacamos neste trabalho àquela que leva ao extravasamento de muco (saliva) para os tecidos mucosos no soalho bucal.

As complicações decorrentes da rânula compreendem em desconforto para o paciente, aumento da região submandibular, perda da simetria facial, prejuízo na alimentação, bem como interferência na fonação. Outras enfermidades podem mimetizar as condições citadas, confundindo o diagnóstico clínico, para evitar tal situação o exame clínico fornece dados suficientes para o reconhecimento da patologia tendo como base a história, evolução clínica e manobras de semiotécnica pertinentes.

Para o tratamento desta enfermidade há algumas técnicas propostas, no entanto, buscamos àquela que apresenta relativa facilidade para sua execução, menor tempo operatório, probabilidade de recidiva baixa, invasibilidade reduzida e preservação máxima de estruturas anatômicas.

No intuito de ilustrar a terapia referida apresentamos o caso clínico da técnica da marsupialização.

Revisão da literatura & Discussão

Conceito

O termo rânula advém de rã, mostrando semelhança entre a lesão e o ventre translúcido de uma rã (Regezi & Sciubba, 2000). O aumento de volume encontrado no soalho bucal se origina a partir do extravasamento de mucina da própria glândula sublingual, assim como oriundo do ducto submandibular ou até de glândulas salivares menores (Neville et al. 1998).

Neville et al. (1998) definem a rânula como sendo uma mucocele que ocorre somente em soalho bucal, caracterizando um fenômeno de extravasamento ou retenção de muco.

Zegarelli, Kutcher e Hyman (1974) consideraram a rânula como sendo um cisto verdadeiro, formado pela retenção de saliva no interior do ducto das glândulas submandibulares e sublinguais, levando assim a um aumento de volume local.

Para Tomasi (2002) o conceito seria mais abrangente, considerando qualquer lesão que venha ganhar o soalho bucal, seja ela uma mucocele ou qualquer fenômeno de retenção de muco, como sendo uma rânula. Na maioria dos casos, segundo o autor, tal fenômeno ocorre com mais freqüência em glândulas sublinguais.

Etiologia

A etiologia da rânula pode variar desde a obliteração do ducto da glândula, como um sialolito, até um trauma na região, seja acidental ou iatrogênica (Regezi & Sciubba, 2000). Em alguns casos não se consegue reconhecer o agente etiológico, seja pela falta de atenção do paciente em relacionar um trauma com a lesão presente ou até pelo desconhecimento da etiologia. Saheeb (2001) relatou um caso sobre a ocorrência de uma rânula em um bebê de 1 semana de caráter congênito, onde inexistia os fatores etiológicos clássicos, como o trauma. Não obstante, Amin & Bailey (2001) relataram 2 casos de atresia congênita do ducto submandibular, também em pacientes pediátricos, onde houve falha na canalização ductal. Tais relatos sugerem que rânulas em pacientes pediátricos merecem uma atenção mais detalhada na sua etiologia, pois podem ser ocasionadas por mal formação de ductos, tornando-os atrésicos.

Uma complicação tida como rara é a rânula mergulhante (cervical). Consiste na disseminação do conteúdo mucóide extravasado pela glândula sublingual para tecidos mais profundos, muitas vezes dissecando o músculo milo-hióide (Ichimura, Ohta & Tayama, 1996). Esta situação acarreta para o indivíduo extremo desconforto, dificuldade na fonação, deglutição, respiração (esta com risco de asfixia), dentre outras. O extravasamento pode percorrer os tecidos e se alojar no mediastino, complicando o prognóstico do paciente.

Diagnóstico

Para se chegar ao diagnóstico, é de suma importância a observação clínica, ou seja, a manifestação clínica consiste em aumento de volume do soalho bucal, de consistência branda (sugerindo líqüido) e podendo variar a coloração, de rósea a azulada. Há outras lesões com manifestações clínicas semelhantes, portanto é fundamental estabelecer o diagnóstico diferencial entre cisto dermóide, carcinoma mucoepidermóide, cisto sebáceo, entre outras (Regezi & Sciubba, 2000). O profissional deve atentar para a anamnese, pois na queixa principal o paciente costuma relatar incômodo ou dor na região sublingual e dificuldade para falar e deglutir. Em alguns casos pode haver sintomatologia infecciosa decorrente de contaminação por bactérias da flora bucal, como presença de dor, aumento da temperatura no local, estado febril, secreção esbranquiçada no soalho bucal, etc.

Tratamento

O tratamento para a rânula envolve algumas técnicas cirúrgicas que variam desde conservadoras até radicais. As conservadoras mantêm a glândula acometida sem intervenção cruenta, já as radicais consistem na remoção total da glândula. Entre as extremidades há a mais praticada para esses casos.

Para ilustrar a técnica conservadora destacamos o trabalho de Delbem et al. (2001), cuja abordagem terapêutica adotou a técnica da micromarsupialização. Nesta, os autores suturam a lesão íntegra para desencadear uma resposta fisiológica de formação de várias fístulas induzidas, as quais favorecem a saída de saliva do interior da lesão para a cavidade bucal. As recidivas ainda são questionáveis

A marsupialização ou operação de Partsch, considerada uma técnica mediana em relação à invasão dos tecidos, consiste na confecção de um pertúito para extravasamento do conteúdo da rânula (saliva), para tal, faz-se necessária a criação de uma abertura na superfície da lesão para posteriormente suturar o epitélio da rânula com o tecido mucoso que a reveste, circundando-a. No final, obtém-se um orifício de margens suturadas de diâmetro maior que o ducto, mas que com o tempo irá regredir e tornar-se discreto (Peterson et al., 2000). Tal técnica é aplicada com envolvimento das glândulas salivares maiores (submandibular e sublingual) ou seus ductos.

No estudo comparativo de Yoshimura et al. (1995) foram realizadas 3 técnicas cirúrgicas para tratamento de rânula: exérese apenas da rânula, marsupialização, remoção da rânula e a glândula sublingual conjuntamente. Os resultados foram, respectivamente, 25%, 36,4% e 0% de recorrência. Portanto, o melhor resultado para evitar recidivas é a remoção da rânula com a glândula sublingual, quando esta estiver envolvida. A técnica radical, a que promove a exérese da glândula é também ideal para envolvimento de glândulas salivares menores.

Dentre as várias técnicas relatadas, acreditamos que a marsupialização atende às necessidades terapêuticas, são elas: extravasar o conteúdo mucóide diminuindo o edema e sintomas; criar um pertúito fisiológico que permite a drenagem espontânea da rânula, onde a probabilidade de recidiva não representa um significado relevante frente às outras técnicas; preserva a glândula acometida sem que haja a necessidade de extirpa-la; expõe o indivíduo a menor trauma cirúrgico; facilita a recuperação pós-operatória; entre outras vantagens. Já para casos em que haja recidiva, é indicada a terapia mais radical, como a remoção da rânula e a glândula em questão. Na realidade todas as técnicas são eficazes, o que dita a conduta terapêutica é o bom senso.

Caso clínico

Paciente R. N. G., do sexo feminino, 21 anos de idade, leucoderma, compareceu na clínica de Especialização da Unimes com queixa de “incômodo em baixo da língua” há cerca de 1 ano. A pressão arterial aferida foi de 120/70 mmHg (dentro dos padrões de normalidade), peso de aproximadamente 40 Kg e 1,53 m de altura. A mesma referiu dificuldade na fala e deglutição. Nega etilismo e tabagismo.

No exame extrabucal foram encontrados linfonodos palpáveis em cadeia submandibular direita, medindo aproximadamente 1 cm de diâmetro, liso, móvel e indolor à palpação. No exame intrabucal notou-se a presença de aumento de volume em todo soalho bucal com deslocamento superior da língua, onde na região central havia uma bolha de consistência branda à palpação, coloração arroxeada (sugestiva de lesão superficial), indolor, medindo aproximadamente 2 cm de diâmetro (Figura 1).

A intenção do procedimento cirúrgico é de formar uma comunicação entre o meio bucal e o interior da rânula, no entanto, é necessário o aumento do diâmetro deste canal, para tal, é ministrada a anestesia infiltrativa no local, em seguida faz-se uma incisão superficial para expor o tecido que recobre a rânula para que seja possível a divulsão dos tecidos. Na Figura 2 os tecidos que recobrem o soalho bucal (A) e a rânula (B) são apreendidos para serem suturados entre si no intuito de formar um círculo, onde suas bordas são suturadas proporcionando um orifício maior que o original. Com o passar do tempo ocorre a cicatrização dos tecidos suturados e regressão do volume da rânula e diminuição do diâmetro do orifício, voltando assim à normalidade (Figura 3).


















































Conclusões

O presente trabalho permitiu concluir que:

· O diagnóstico é alicerçado principalmente pela história e evolução clínica peculiar a patologia em questão, juntamente com as características clínicas do exame físico regional extra e intrabucal.

· O tratamento indicado é a marsupialização, por ser um procedimento seguro para o indivíduo; conservador, por não remover a glândula; por apresentar baixo grau de recidiva e ser pouco traumático.

Referências

1. Amin MA, Bailey BM. Congenital atresia of the orifice of the submandibular duct: a report of 2 cases and review. Br J Oral Maxillofac Surg 2001, Dec; 39(6):480-2.

2. Delbem, ACB; Cunha, RF; Vieira, AEM; Ribeiro, LLG. Tratamento de fenômenos de retenção salivar em crianças pela técnica da micromarsupialização. Rev Assoc Paul Cir Dent 2001, Jan-Fev; 55(1):54-4.

3. Ichimura K, Ohta Y, Tayama N. Surgical management of the plunging ranula: a review of seven cases. J Laryngol Otol 1996, Jun; 110(6):554-6.

4. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral & Maxilofacial. Ed. Guanabara Koogan, 1998.

5. Peterson, LJ; Ellis, E; Hupp, JR; Tucker, MR. Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea. Ed Guanabara Koogan, 3ª edição, 2000.

6. Regezi JA, Sciubba JJ. Patologia Bucal: correlações clinicopatológicas. Ed. Guanabara Koogan, 3ª ed., 2000.

7. Saheeb BD. Recurrent congenital bilateral ranula: a case report. SADJ 2001, Aug; 56(8):366-8.

8. Tomasi, AF. Diagnóstico em Patologia Bucal. Ed Pancast, 3ª ed, 2002.

9. Zegarelli, EV et al. Diagnóstico em patologia Oral.Barcelona: Salvat, 1977.

10. Zegarelli EV, Kutscher AH, Hyman GA. Diagnóstico em patologia oral. Barcelona, Salvat, 1974.

11. Yoshimura Y, Obara S, Kondoh T, Naitoh S. A comparison of three methods used for treatment of ranula. J Oral Maxillofac Surg 1995, Mar; 53(3):280-2

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Publicação: Revista da APCD de São Caetano do Sul - Espelho Clínico - Ano VIII, Nº46, p. 7-9, Out 2004.

Um comentário:

WALTER PEREIRA disse...

BOA REVISÃO, BOM CASO CLÍNICO