terça-feira, março 21, 2006

Lesão por Agente Químico: ÁLCOOL

Autores

Caetano Baptista Neto
Haroldo Arid Soares
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Introdução

O presente artigo relata as conseqüências em mucosas da automedicação tópica pelo paciente em aliviar a dor de dente. Hoje é grande a quantidade de substâncias utilizadas para estes propósitos, como bochechos com pinga, whisky, álcool, fenol, ácido de bateria, peróxido de hidrogênio, formol, e até gasolina (Laskaris, 2000). Não obstante, a aplicação tópica de comprimidos de ácido acetilsalicílico (AAS) tem sido bastante citada na literatura, ocasionando lesões na mucosa adjacente. Abordaremos neste relato de caso o uso inadvertido de bochechos com álcool doméstico a 98º GL.

Revisão da Literatura & Discussão

Normalmente o álcool é utilizado em produtos tópicos com finalidade terapêutica, como ocorre com os colutórios para bochechos bucais. Possui ação antiséptica no controle dos microorganismos, como também serve de solvente para os demais princípios ativos das substâncias (Sissons et al., 1996). Talvez pelo uso remoto do álcool como agente antiséptico, algumas pessoas acreditam na ação benéfica no tratamento de afecções bucais, e ainda em altas concentrações, ou seja, uso puro. Segundo Kuyama & Yamamoto (1997) o álcool, mesmo que em baixas doses encontrados em produtos para enxágües bucais, apresenta propriedade irritativa em mucosas.

De acordo com Bolanowski et al. (2001) a agressão tecidual geralmente se dá por substâncias ácidas ou básicas (cáusticas) que em contato com a região promove desidratação celular, perda epitelial com exposição ou não do tecido conjuntivo, dependendo da concentração e tempo de exposição das mucosas frente ao agente agressor, no caso o álcool. Em produtos industrializados ou caseiros a concentração não deve ultrapassar 10%, caso contrário, segundo o autor, pois abaixo deste valor não há importantes queixas. Quando ocorre perda do epitélio sem exposição do tecido conjuntivo, denominamos de erosão, já com exposição, úlcera. Quanto maior for a profundidade da lesão, maior será o sintoma de ardência. A solução cáustica pode promover, além de úlceras e erosões, quadros de gengivites e petéquias, mesmo em concentrações de 25% em enxaguatórios (Moghadam et al., 1999).

O órgão dental também pode sofrer modificações frente à exposição do álcool, como a desmineralização do esmalte, bem como alterar a dureza de alguns materiais restauradores (Gürgan et al, 1997; Penugonda et al., 1994).

Na tentativa de reparação há um aumento de neutrófilos, conjuntamente à formação de rede de fibrina. Clinicamente observa-se uma área erodida com membrana justaposta, facilmente destacável com uma gaze. O aspecto avermelhado se dá pela erosão presente e dilatação vascular periférica. Um tecido de granulação é formado às margens da úlcera ou erosão, conferindo uma regeneração centrípeta do tecido lesado (Sciubba & Regezi, 2000).

Diagnóstico

O diagnóstico é eminentemente clínico, sendo alicerçado pela história de uso do produto e o surgimento da lesão e o aspecto clínico característico de tecido necrótico facilmente destacado recobrindo área eritematosa. O exame anátomo-patológico não apresenta resultado nosológico, mas descritivo, demonstrando a presença abundante de neutrófilos, arteríolas dilatadas, rede de fibrina, bem como os quesitos de processo inflamatório.

Tratamento

O tratamento da erosão ou ulceração aguda pode ser expectante, quando os sintomas são brandos, ou para casos em que a ardência é intensa, pode ser ministrada a corticoterapia tópica para alívio sintomático e favorecer a reparação tecidual (Sciubba & Regezi, 2000).

Caso Clínico

Paciente N.G.O. do sexo feminino, 16 anos de idade, leucoderma, estudante, em bom estado geral, apresentou-se na clínica de triagem da Universidade Metropolitana de Santos – Unimes com queixa de dor de dente e ardência bucal.

Na anamnese a paciente relatou ter feito bochechos com álcool a 98° GL várias vezes ao dia durante 3 dias na tentativa desesperada de aliviar a dor de dente. No exame físico regional intrabucal foi observada lesão cariosa extensa e profunda no elemento dental 16, este foi radiografado e constatado envolvimento pulpar com indicação para terapia endodôntica. As mucosas gengivais superiores apresentavam-se erodidas e recobertas por uma membrana branca facilmente destacável frente à raspagem com gaze ou espátula. Esta manobra de semiotécnica promovia na região desconforto e sangramento, o que sugere exposição de tecido conjuntivo. A alteração também foi encontrada no fundo de sulco superior do mesmo lado, onde esta se estendia por toda a mucosa jugal direita com sinais de desidratação tecidual (Figura 1). No palato duro na porção anterior e gengiva inserida, logo atrás dos incisivos centrais, havia úlceras e erosão tecidual (Figura 2). A borda lateral direita da língua também foi acometida através da presença de necrose das papilas gustativas.

O tratamento proposto, tendo em vista a sintomatologia dolorosa, foi a corticoterapia com dexametasona de uso tópico através de enxágües com freqüência de 4 vezes ao dia durante 5 dias. Foram sugeridas alteração na dieta, evitando alimentos ácidos, temperos picantes ou apimentados, sucos cítricos, e abandono do uso de colutórios que contenham álcool até segunda instrução.

Referências

1. Bolanowski SJ, Gescheider GA, Sutton SVW. Relationship between oral painand ethanol concentration in mothrinses. J Periodont Res 1995;30:192-7.

2. Gügan S, Önen A, Löprulü H. In vitro effects of alcohol-containing and alcohol-free mauthrinses on microhardness of some restorative materials. J of Oral Rehabilitation 1997;24:244-6.

3. Kuyama K, Yamamoto H. A study of effects of mouthwash on the human oral mucosae: With special references to sites, sex differences and smoking. J Nihon Univ Sch Dent 1997;39:202-10.

4. Laskaris G. Atlas Colorido de Doenças Bucais da Infância e da Adolescência. Ed Santos, 2000.

5. Moghadam BKH, Gier R, Thurlow T. Extensive Oral Mucosal Ulcerations Caused by Misuse of a Commercial Mouthwash. Cutis 1999;64:131-4.

6. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral & Maxilofacial. Ed. Guanabara Koogan, 1998.

7. Penugonda B, Settembrini L, Scherer W, Hittleman E. Alcohol-containing Mouthwashes: Effect on coposite Hardness. J Clin Dent 1994;5:60-3.

8. Regezi JA, Sciubba JJ. Patologia Bucal: Correlações clínicopatológicas. Ed. Guanabara Koogan, 3ª edição, 2000.

9. Sissons CH, Wong L, Cutress TW. Inhibition by Ethanol jof the Growth of biofilm and dispersed Microcosm Dental Plaques. Archs Oral Biol 1996;41:27-34.

Publicado: Revista da APCD de São Caetano do Sul - Espelho Clínico - Ano VIII, Nº47, p. 12-13, Dez 2004.

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