CITOLOGIA ESFOLIATIVA em Odontologia
1. INTRODUÇÃO
O exame das células obtidas através da raspagem dos tecidos não é recente. Muitos profissionais da saúde conhecem o procedimento por “Papanicolaou”, principalmente o médico ginecologista. Tal exame é freqüente entre as mulheres, pois já adquiriram a cultura de periodicamente consultar o médico para sua realização. Infelizmente esta conduta não vingou na odontologia, talvez pela inespecificidade para a maioria das doenças bucais, ou falta de divulgação e prática por parte dos profissionais. De qualquer forma, este artigo tem o objetivo de trazer à tona algumas considerações básicas sobre o referido exame no intuito de divulgá-lo e estimular a sua realização.
A citologia esfoliativa é um exame extremamente fácil de se efetuar, pois não requer técnicas sofisticadas para a coleta do material a ser analisado; os materiais são mínimos e econômicos; rápido de se executar; indolor e pouco invasivo para o paciente; entre outras vantagens.
2. HISTÓRICO
O exame das células de tecidos teve início por volta de 1923 pelo médico grego anatomista George Papanicolaou (Figura 1), onde observou e descreveu alterações celulares condizentes com câncer de colo uterino.
Em 1943 publicou um trabalho juntamente com o chefe da cadeira de anatomia, Charles Stokard, sobre as alterações malígnas celulares. Tal estudo foi importante para a divulgação do que seria o teste mais utilizado nos anos subseqüentes e que teria seu nome, o exame de Papanicolaou, salvador de milhões de vidas de mulheres detectando de forma precoce as lesões malígnas ou pré-cancerígenas.
L. S. Beale já havia detectado, em 1867, células tumorais presentes na saliva de pacientes portadores de câncer em faringe. Com o passar do tempo as técnicas e as áreas da saúde passaram a adotar o exame Papanicolaou como rotina na prevenção de neoplasias malígnas e lesões passíveis de aplicá-lo.
L. S. Beale já havia detectado, em 1867, células tumorais presentes na saliva de pacientes portadores de câncer em faringe. Com o passar do tempo as técnicas e as áreas da saúde passaram a adotar o exame Papanicolaou como rotina na prevenção de neoplasias malígnas e lesões passíveis de aplicá-lo.
3. CONCEITOS
É sabido que as células da mucosa bucal se renovam aproximadamente a cada 14 dias (turn-over celular). Na camada basal são produzidas as células que farão parte do tecido epitelial, a medida que estas se amadurecem, vão ganhando a superfície do epitélio até se esfoliarem. São estas células que serão analisadas na coleta para o exame da citologia esfoliativa. Portanto, a citologia não é indicada para lesões cuja alteração celular ocorra em camadas mais profundas do tecido epitelial, salvo em lesões ulcerativas e vesículo-bolhosas, estas quando são rompidas, pois acabam por expor o tecido conjuntivo e permitir a coleta celular, ou até mesmo através da citologia por punção-aspirativa, onde o líqüido das bolhas podem ser retirados e depositados na lâmina para análise (figura 2).
A intenção primordial do exame é detectar ou reconhecer células cancerosas ou lesões que apresentem características malígnas, com grau de atipia celular significativo, denominada de displasia. Quando se deseja pesquisar células atípicas ou displásicas, pode-se atribuir o termo citologia oncótica. Entretanto, hoje a aplicação da citologia trancende os limites oncológicos, e avança para terrenos mais amplos, como a pesquisa de doenças virais, bacterianas, fúngicas, entre outras.
INDICAÇÕES
As indicações da citologia esfoliativa, a princípio, são válidas para todas as lesões, embora algumas sajam mais apropriadas para análise citológica. Estas, geralmente, compreendem as lesões que acometem o epitélio, porção mais superficial do tecido, pois como foi abordado, tais células se desprendem com facilidade. Lesões ulcerativas são fáceis para a coleta, por apresentarem exposição de tecidos mais íntimos. As vesículas e bolhas devem ser rompidas para o exame, pelo interesse do conteúdo (líqüido) ou do tecido exposto pela ruptura da mesma. Outra alternativa é realizar a punção e aspiração do líqüido para análise. Membranas são passíveis de coleta, bem como lesões avermelhadas e brancas. Aumentos de volume de conteúdo sólido (pápulas e nódulos) não são signficativos para a citologia por não permitirem o acesso à alteração através da raspagem no interior do aumento.
Algumas doenças fúngicas são indicadas para o exame, como ocorre nas candidoses bucais, onde é possível encontrar as hifas do fungo em questão, Cândida albicans (Figura 3).
Nas enfermidades virais encontram-se células do tecido coletado com alterações morfológicas características de infecção viral, estas se apresentam em forma de balão (células balonizantes), com citoplasma aumentado em relação ao núcleo, como ocorre no herpes labial, não é exclusivo da doença, mas é indicativo de patologia viral.
Doenças autoimunes também deixam alterações celulares (células de Tzank) com acantólise presentes no Pênfigo Vulgar, por exemplo, lembrando que tais células não são exclusivas desta doença, mas é indício de alteração autoimune.
Em lesões extensas onde se quer saber com maior certeza o melhor local para biópsia, pode ser instituída a citologia de varredura, onde se coleta as células em diferentes regiões da lesão, a região que apresentar alterações significativas é o local de escolha para a biópsia.
A citologia esfoliativa pode ser empregada no controle de lesões já tratadas, como a remoção cirúrgica de uma leucoplasia, por exemplo, levando à preservação do local para detectar qualquer recidiva incipiente.
Outra indicação importante do exame é a triagem de pacientes pois pode se obter amostras de células coletadas em campanhas de prevenção do câncer bucal, por exemplo. Assim como os ginecologistas fazem uso da citologia esfoliativa, pode ser perfeitamente indicado para pacientes de risco, como história familial de câncer, tabagistas, etilistas, entre outros fatores de risco.
4. METODOLOGIA
a. Materiais
Gaze: utilizado para desinfetar a lâmina de vidro com álcool a 70%
Soro Fisiológico: utilizado para enxagüe bucal do paciente
Espátula metálica ou Microescova: utilizada para coleta do meterial
Lâmina de histologia (vidro): para receber o material coletado
Lápis e clipes: identificação e separação das lâminas, respectivamente
Fixador citológico: líqüido ou spray para fixar as células na lâmina
Recipiente para as lâminas: pode ser frasco com tampa ou frasco com canaletas para acondicionar as lâminas (neste caso não há necessidade de clipes)
b. Técnica
Preparando o paciente
O paciente deve ser instruído a bochechar com solução fisiológica por alguns segundos para remoção de resíduos alimentares ou outros antes da coleta.
Preparando a lâmina
A lâmina de vidro deve ser limpa e desinfectada com álcool a 70% com auxílio de uma gaze estéril, pois qualquer resíduo de sujeira ou matéria aderida à lâmina pode confundir ou comprometer o exame. A identificação da mesma deve ser realizada com lápis na face despolida contendo o nome do paciente e o número da lâmina de vidro (L1, L2) dependendo do número de amostras por região a ser analisada, recomendamos coletar pelo menos 2 vezes por região.
Coletando a amostra
A coleta propriamente dita pode ser realizada tanto com espátula metálica quanto o swab (bastão com algodão na extremidade), ou a citobrush (semelhante a uma escova interdental). Não é recomendado o uso de espátula de madeira, pois esta retém grande quantidade de células na superfície, devida à embebição que a espátula sofre, caso não haja outro material recomenda-se, em último caso, o umedecimento prévio da espátula de madeira com soro fisiológico para a coleta. Na região de escolha a espátula deve ser friccionada firmemente, porém sem muita pressão para não lesar o tecido, pelo menos 3 vezes em um único sentido. O material, então, é transferido para a lâmina de vidro, previamente limpa e identificada, através de movimentos em zigue-zague em um único sentido (da esquerda para a direita) percorrendo toda a porção da lâmina. Caso seja utilizada a microescova esta deverá ser rotacionada no local e transferida para a lâmina repetindo o mesmo movimento por toda a extensão da lâmina (Figura 5).
Fixando o material
Em seguida, aplica-se o fixador em spray na superfície da lâmina a uma distância de alguns centímetros (Figura 6), alojano-a em um recipiente com canaleta ou em um frasco com tampa.
Outra opção é fixar a lâmina em um frasco contendo o líqüido fixador, como o liqüor de Hoffman (1 porção de álcool a 90% para 1 de éter a 10%), onde o frasco deve ser devidadamente fechado contendo as lâminas e o líqüido fixador para ser enviado ao patologista para análise. Outra opção de líqüdo fixador é o álcool a 95%.
Relatório ao patologista
Um relatório deve ser preenchido para o patologista contendo informações fundamentais para a interpretação do material. Os dados relevantes são:
Identificação do paciente: contendo o nome completo, endereço, contatos, nascimento, etnia, sexo, profissão, entre outros.
Tipo de exame solicitado: no caso citologia esfoliativa
Material analisado: relatar o que foi coletado e qual região pertence
Fixador utilizado: nome do produto ou composição e suas concentrações
Breve relato do caso: escrever de forma objetiva a queixa principal do paciente, duração, história da doença atual e descrever as caracterísitcas clínicas da lesão.
Hipóteses de diagnóstico: fornecer o diagnóstico diferencial da patologia ou o que se pretende pesquisar.
Identificação do Profissional: Data, assinatura e carimbo com CRO.
5. CLASSIFICAÇÃO DE PAPANICOLAOU
A correta interpretação do resultado da citologia é fundamental para o planejamento terapêutico e conduta clínica. Para a análise oncológica (citologia oncótica) Papanicolaou desenvolveu um critério divididos por classes, onde as alterações celulares são consideradas, como também as atipias ou displasias (leve, moderada e intensa), quanto maior for o grau de displasia, pior o prognóstico.
Classe 0 - Material insuficiente ou inadequado para análisse
Classe I - Células normais e típicas
Classe II - Células normais com discreto grau de atipia
Classe III - Células com moderado grau de atipia – indicação de biópsia
Classe IV - Células com alto grau de atipia, fortemente malígna – indicação de biópsia
Classe V - Lesão malígna, carcinoma in situ – biópsia é mandatória
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Rara são as doenças que possam ser diagnosticadas pela citologia esfoliativa, entretanto, apresenta fidelidade extrema nas lesões fúngicas, candidoses, por conseguir reconhecer o fungo na lâmina, bem como outras doenças infecciosas cujo agente etiológico seja possível de se observar, como o Treponema pallidum da Sífilis primária.
As demais patologias podem ser examinadas pela citologia esfoliativa no intúito de excluir outras hipóteses, facilitando o diagnóstico.
A principal utilização deste exame é reconhecer lesões com alterações malígnas ou com potencial de ser tornarem um câncer bucal.
ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA ESPELHO CLÍNICO - APCD São Caetano do Sul, Dez/2005; pág. 14-16.
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